QUANDO EU QUERIA COMEÇAR
São Paulo/SP
Monólogo com texto, direção e
atuação de Ametonyo Silva, “Quando eu queria começar” é uma performance de
teatro-dança que explora o palco vazio e se utiliza de uma série de belas
projeções no fundo do palco.
A disponibilidade corporal do
artista é, sem dúvida, o ponto forte do trabalho. Sua entrega física e a
exploração do espaço passam ao espectador alguma sensação de liberdade – ponto
bastante tocado no texto. O uso das projeções contribui para a visualidade da
cena e tem grande impacto.
No entanto, trata-se de uma cena
um tanto confusa, na medida em que os signos apresentados e a dramaturgia
apoiada no futuro do pretérito não ajudam o espectador na compreensão do
trabalho. A beleza e a pesquisa sensorial acabam perdendo a potência através da
não decodificação dos signos, que, mesmo abstratos, carecem de algum diálogo
com a plateia.
Alguns tempos da cena também são
demasiadamente longos e não contribuem para o ritmo do trabalho, como, por
exemplo, quando o ator veste os figurinos. Uma iluminação muito aberta também
não enfatiza momentos que poderiam ser destacados e o lirismo excessivo do
texto carece de ação e presentificação.
Trata-se de uma cena cuja
estética aparenta estar em primeiro plano e cujo trabalho de investigação parece
ainda incipiente, apresentando resultados hesitantes quanto ao conteúdo e
reflexões propostas.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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ANTÔNIA DE BARRO
Grupo João de Barro – Rio de Janeiro/RJ
O monólogo tem sua maior
qualidade na performance da atriz Jacyara de Carvalho. Uma atuação segura, com
firmeza no texto – talvez porque ela mesma tenha escrito – e uma ótima comunicação
com a plateia. “Antônia de Barro” é uma cena divertida, que demora um pouco
para mostrar o que pretende discutir, mas que, de meio para o final, ganha em
potência e relevância.
Os temas da solidão, educação e
repressão são abordados de maneira bastante descontraída na figura da mãe
debilitada criada pela atriz (com a ajuda da direção, certamente). Essa leveza
faz com que o espectador sinta empatia com o trabalho, além de dar mais
profundidade e credibilidade às reflexões propostas, fazendo com que o discurso
não fique gratuito. A cena ainda se utiliza, sabiamente, de uma crueldade
provocativa para abordar as questões propostas pelo texto.
O cenário é um tanto quanto
desnecessário, pois não colabora com o desenvolvimento da ação e nem tem grande
utilidade à atriz, além de caracterizar certo realismo à cena. Outro ponto
negativo do trabalho está na ausência de uma justificativa mais clara para o
discurso monológico: o que faz a personagem falar sozinha? Pra quem ela fala?
Trata-se de um código que poderia estar mais claro e que daria mais potência ao
esquete – já que ele se esforça em dialogar com uma narrativa realista. A
dramaturgia, nesse sentido, mostra-se mais frágil no início, pois não há um
embate objetivo nem uma situação de conflito evidente. Com o decorrer da cena o
texto ganha foco e tem um melhor resultado. Também o ritmo da cena vai
melhorando com a progressão da cena e do texto: no início um pouco lento,
depois ganha força.
O uso do cigarro no palco é outro
ponto negativo. É bastante desagradável, pois incomoda a muitos espectadores e
não traz maiores contribuições à cena, além de mais uma vez reforçar uma tal
proposta realista. A iluminação é bem explorada e se destaca bastante no final,
imprimindo uma melancolia bem vinda para o desfecho da história.
Mais uma vez ressalto as
qualidades performáticas da atriz e termino com a seguinte provocação: gostaria
de ver essa personagem em outras situações, mas sobretudo, dialogando com
outras pessoas.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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TRILHA DE BARRO
Duas cabeças (Rio de Janeiro/RJ?)
A sinopse de “Trilha de barro”
aponta para uma ideia interessante: “O texto é livremente inspirado em
fotografias e fatos da família do ator”. Trata-se de um monólogo com texto e
direção de Rafael Ferreira e atuação de Felipe Barros.
A premissa, no entanto, poderia
ter um resultado melhor, principalmente em relação à dramaturgia. O texto deixa
de explorar algumas possíveis peculiaridades e idiossincrasias da vida da
família em questão para narrar casos dos quais temos a impressão que já vimos e
ouvimos antes.
Os movimentos e transições de
cena também carecem de potência ou um rigor técnico mais apurado para se
justificarem, pois não são claros o suficiente para colaborarem de maneira
significativa para o desenvolvimento da ação. Um trabalho com mais virtuosismo
também poderia funcionar, pois teria um significado estético.
A construção do personagem
poderia enveredar por uma pesquisa mais dialética e significativa. Mas o
sotaque aparenta ter mais destaque do que todo o resto, inclusive a composição
corporal da figura.
A iluminação dá beleza e poesia à
cena, mas o cenário não se mostra tão necessário, e a trilha, ao som da banda
Beirut, não parece condizer muito com a temática nordestina proposta. Mesmo que
seja uma tentativa válida de sair do óbvio.
O excesso de coreografia
atrapalha o desenvolvimento da ação e o ritmo da cena, e o ator poderia
projetar melhor a voz, pois o teatro tem uma acústica prejudicada.
Apesar de possuir referências
interessantes, a cena precisa ser melhor desenvolvida.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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DOCE VINGANÇA
Companhia histriônica de teatro – Campinas/SP
A cena, como a proposta de
encenação afirma, “(...) surgiu da pesquisa da linguagem do melodrama (...)”.
Apesar de um início que chama a atenção, “Doce vingança” não consegue dialogar
com o gênero de maneira mais profunda, criando um esquete que fica apenas no
plano da paródia pela paródia.
A direção não consegue imprimir um
ritmo mais ágil à cena e prioriza uma disposição excessivamente frontal,
impedindo os atores de um melhor jogo de contracenação. É preciso lembrar que
mesmo a novela – objeto da paródia – precisa ter uma velocidade e precisão
maiores, e dependem bastante da relação “olho-no-olho”. Algumas marcas do
esquete também não mostram justificativa aparente. Por exemplo, por que o
personagem masculino sai de cena no início? A causa disso tudo talvez se
encontre no fato de não haver um diretor de fora observando e orientado o
esquete, já que a dupla de atores também assina o texto e a direção.
Há ainda muitas intervenções
sonoras, com resultados nem sempre tão proveitosos. O volume da trilha ainda
prejudicou a projeção de voz do elenco, tornando alguns momentos difíceis de
serem compreendidos.
A caracterização dos personagens
é um tanto excessiva, ficando mais na forma do que na energia dos tipos
apresentados. Algumas gags são divertidas, mas não bastam para prender a
atenção do espectador.
O texto, mesmo apostando numa
pesquisa relevante do gênero melodramático, cria uma história que não se
sustenta. É claro que os clichês e as diversas reviravoltas fazem parte da
proposta, mas a ausência de uma questão maior, de uma discussão mais
significativa acaba colocando a dramaturgia no plano apenas da paródia. Nesse
sentido, proponho uma provocação: o que o grupo deseja com a cena, contar
piadas ou fazer comédia?
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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SOLO ALMODÓVAR – O APERITIVO
Saltoalto investigações cênicas – Salvador/BA
O visual da cena é belíssimo! E
dialoga bastante com a proposta do trabalho, inspirado na visão de mundo do
cineasta espanhol Pedro Almodóvar. A luz, apesar de simples, é muito bem
explorada e proporciona uma atmosfera/cor bem-vinda ao trabalho. A
caracterização da personagem é impecável e a opção por colocar a cena a frente
das cortinas é muito acertada.
A direção, mesmo se tratando de
um monólogo, consegue resultados evidentes e impõe ao gestual da atriz uma
movimentação precisa e potente.
A temática apresentada pelo texto
é relevante e não fica apenas no plano da inspiração ou da paródia da obra do
cineasta: mostra personalidade e propósito ao nosso público. A única ressalva
que faço é em relação à estrutura, que cria uma dramaturgia que acaba
misturando momentos demais para pouco tempo de cena. Destaco positivamente o
momento do telefone e o final, que fecha muito bem o esquete.
O trabalho da atriz merece toda a
atenção. Seu desempenho é excelente e sua composição não fica na
superficialidade do “tipo” proposto. No entanto, por alguma razão, a
apresentação que assisti parece ter sido um pouco afetada. O que não impediu da
atriz mostrar o seu talento, mesmo que sem toda a plenitude de potência e vigor
que o esquete aparenta ter.
Fico curioso para assistir ao
espetáculo inteiro, como mencionado na proposta de direção.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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CENA REAL – É TUDO VERDADE
Gene Insano Companhia de Teatro – Rio de Janeiro/RJ
O grupo procura discutir em cena
os modos de produção do teatro no Rio de Janeiro, questionando os mecanismos de
fomento e as escolhas do Estado e das empresas em patrocinar algumas companhias
artísticas em detrimento de outras. Como plataforma para o discurso, “Cena
real” se apropria da metalinguagem para falar da história e do processo de
trabalho do próprio grupo, de forma que atores e personagens se confundem em
cena.
O esquete se inicia convidando alguns
espectadores ao palco – no entanto, sem justificativa aparente. O elenco
realiza excessivamente uma série de movimentos e coreografias que também
parecem aleatórios, mesmo que revelem o interesse do grupo num trabalho físico.
O texto propõe uma trama de fundo
– o grupo aguarda o resultado de um edital de fomento – enquanto mostra
depoimentos reais dos atores, que falam sobre suas carreiras e expectativas.
Mas, infelizmente, nenhum dos dois caminhos conseguem se sustentar. A história
de fundo precisa ser melhor desenvolvida, para que não fique tão previsível, e
os depoimentos são apresentados de maneira muita rápida, necessitando também de
um melhor acabamento para que não pareçam improvisados.
As projeções utilizadas, mesmo
que sejam uma contribuição visual interessante, não colaboram tanto para o
desenvolvimento do esquete. Enquanto que as fotos mostradas pelos atores, que
poderiam ser projetadas, não têm o impacto e a comunicação necessários porque
são muito pequenas e não é possível vê-las direito.
O texto e a encenação discutem
ainda a dialética dos artistas dentro do mercado de trabalho: ganhar
dinheiro/fama/poder ou realizar uma experiência “verdadeiramente artística” e
descompromissada de tudo que não seja o valor do trabalho em si? No entanto,
não ficamos entendendo o posicionamento do grupo, pois o esquete tende a se mostrar
como um manifesto sociocultural apesar do discurso de alguns atores
aparentemente colocando o mercado como objetivo principal (incluindo a tevê e o
cinema).
Por isso, seria mais proveitoso
que o trabalho investisse mais tempo nos depoimentos, para que possamos
compreender melhor o que o grupo está criticando. Do jeito que está há um
excesso de maneirismos estéticos e coreográficos que atrapalham o espectador de
processar os signos realmente importantes da cena: a discussão sobre teatro e
mercado.
Também não é possível entender
qual é exatamente a crítica que “A cena real” quer fazer. Ela critica os grupos
que ganham editais de fomento? Ela critica os editais de fomento? O grupo
merecia ganhar editais em detrimento de outros grupos? Qual é a inquietação do
grupo? Ou é apenas uma manifestação de revolta?
Tecnicamente, a cena ainda carece
de mais trabalho: carpintaria dramatúrgica, objetividade na utilização dos
elementos de cena, clareza dos signos. Como também precisa afinar melhor seu
discurso ideológico para que fique verdadeiramente potente. Para isso, o
esquete precisa ser melhor definido enquanto plataforma, pois do jeito que
está, ela transita em vários caminhos de maneira não tão segura: happening,
cena dramática, teatro-narrativo, performance...
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
ENSAIO DE UMA INFÂNCIA MEDROSA
NIPA – Núcleo de Investigação Prática em Atuação – Belo Horizonte/MG
Acumulando as funções de autor,
ator e diretor, Diego Poça apresenta um monólogo inspirado em dois contos de
Julio Cortázar, “Ensaio de uma infância medrosa” e “Casa tomada”. Para o
trabalho, utiliza-se do teatro-narrativo e de uma série de partituras corporais.
Acredito, como em outros
esquetes, que o trabalho poderia ter um melhor rendimento se houvesse pessoas
de fora exercendo uma orientação e uma contribuição dialética durante os
ensaios. A cena, apesar de mostrar claramente um rico processo de pesquisa
artística, apresenta ainda muitas fragilidades em seu resultado.
A opção por falar o texto
enquanto executa uma partitura gestual não contribui para a cena, mesmo porque
muitos gestos são apenas uma espécie de reiteração do que o ator diz. O fato de
ele estar sentado praticamente o todo o tempo não revela uma justificativa
clara e nem traz maiores contribuições para a narrativa. Também não conseguimos
compreender exatamente para quem ou porque o ator conta suas histórias.
O excesso de partituras ainda quebra
o ritmo da cena, deixando o esquete mais longo do que deveria. Também é preciso que se explore melhor os
recursos faciais e vocais do ator: a opção pela neutralidade e limpeza, tanto
das reações quanto das intenções do texto falado, impedem um melhor aproveitamento
do trabalho de interpretação do ator.
Trata-se de um trabalho rico em
suas referências, onde a disponibilidade e o interesse de seu artista são
bastante visíveis, mais que está apenas no início de um longo processo.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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O QUE SÓ PASSARINHO ENTENDE
Samuel Paes de Luna – Rio de Janeiro/RJ
O trabalho, apesar de ter uma
visualidade muito interessante (com exceção das panelas novas, que destoam),
tem sua área de atuação muito deslocada para o fundo do palco, perdendo em
potência e atrapalhando a emissão sonora do ator.
Samuel Paes de Luna apresenta uma
vigorosa e chamativa composição corporal/visual travestido como uma senhora de
idade; mas falta-lhe projeção de voz para que possamos absorber melhor o texto.
Também há um excesso de maneirismos na sua dicção que ralentam a emissão da
palavra e consequentemente a cena.
Trata-se de um esquete um tanto
longo e que carece de mais clareza em seu texto e em suas ideias. Não é
possível identificar na dramaturgia uma proposição maior ou um conflito
dramático que justifique o trabalho. Também a interlocução do monólogo é
confusa: para quem e por que aquela senhora fala? Quem é ela?
A falta de ação dramática parece
revelar que a cena é apenas um pretexto para mostrar as virtudes de composição
do personagem do ator. Gostaria de ver seu trabalho dentro uma outra proposta,
com uma significância melhor definida.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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BALINHA VAI, BALINHA VEM
Fotossíntese – Rio de Janeiro/RJ
A primeira coisa que chama
atenção no trabalho é a ausência do autor do texto original na ficha técnica.
Como está diz apenas "Texto: adaptado por Andréia Evangelista”.
O esquete tem como grande alicerce
a desenvoltura cômica da atriz Andréia Evangelista – única responsável pela
total criação deste monólogo – que apresenta bastante segurança e parece estar
bem à vontade em cena. No entanto, também chama a atenção uma certa busca
excessiva da intérprete em arrancar o riso da plateia, utilizando-se dos mais
diversos expedientes para tal, ora com mais ou menos resultado/qualidade. O
gesto repetitivo de levantar o vestido, por exemplo, é um pouco cansativo e
muitas vezes desnecessário, imprimindo certo tom apelativo ao trabalho. A voz
também poder ser melhor projetada para que o espectador tenha acesso ao
conteúdo total do texto, principalmente no final do esquete.
O texto apresenta uma questão
social bastante relevante e fornece uma base sólida para o desenvolvimento da
história. Mas há que ser ter mais pontos de mudança para que ela não fique
cansativa. O sadismo da personagem é ponto positivo e negativo. Por um lado é
bom, pois dá potência às críticas sociais levantas pelo texto; por outro, acaba
sendo muito utilizada, tornando a cena e o personagem um pouco previsíveis e
menos empáticas.
Falta uma direção mais inventiva
e mais ágil na cena. De maneira geral, parece um número de humor, pois a
exploração dos recursos cênicos é fraca. É apenas uma atriz-comediante falando
um texto.
Ainda sobre a atriz: seu trabalho
poderia crescer ainda mais se tentasse maiores variações do estado da
personagem e mostrasse mais as transições do narrador para a personagem. Isso
porque a atriz acaba investindo tempo demais num único “tipo” e “verbo” – a
menina sádica fazendo sadismos. Isso também vale para o texto, pois é a base do
trabalho.
“Balinha vai, balinha vem” nos
mostra uma atriz com muito talento, mas que poderia se sair ainda melhor se tivesse
ao seu lado uma equipe e, consequentemente, alguma assistência e orientação.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2014 – 7º Festival Niterói em Cena
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