OS DESENHOS DE SOFIA
Interferência teatral – Rio Bonito/RJ
“Os desenhos de Sofia” é um
monólogo interpretado por Renata Egger, com texto e direção de Rafael Cal, que
fala da conturbada vida de uma garota que sofre bullying na escola por ser
considerada “diferente”.
O esquete se destaca pela
proposta de discutir, junto com ao público infanto-juvenil, temas como
sexualidade e discriminação. Trata-se de uma iniciativa ousada e digna de
mérito, mas que poderia ter um resultado dramatúrgico melhor, para que as
ideias tenham mais potência. A plataforma utilizada é a do teatro-narrativo. No
entanto, o recurso precisa ser trabalhado de forma que não “roube” os momentos
dramáticos do texto. Por exemplo, a cena é apresentada através de uma espécie
de prólogo, onde toda a história do esquete é contada, diminuindo em muito a
força e o interesse do que vem a seguir. É necessário também maiores ações
dramáticas (reações provocadas por ações) e carpintaria dramatúrgica para que a
história seja contada através de um desenvolvimento mais interessante. Também
algumas informações podem ser melhor colocadas para que o espectador entenda com
mais clareza as transições de cena: o onde e o quando de muitos momentos ficam
confusos.
Senti muita falta, lendo a
sinopse, de mais tempo de brincadeira entre a personagem principal e seus
desenhos. O grande “barato” da cena, entretanto, acontece apenas no final! O
que é um caminho não muito interessante, ao meu ver. Além de frustrar as
expectativas de quem tem acesso à sinopse, isso faz com que uma grande ideia
seja muito pouco explorada. Porque não colocar essa interação entre Sofia e os
desenhos no meio da cena, por exemplo? E ver o que pode surgir daí?
A direção e a interpretação
também precisam ser melhor trabalhadas em termos de ritmo. Em muitas vezes a
cena fica arrastada e há um hiato bastante indesejado entre falas e ações. Por
outro lado, a visualidade do esquete é um ponto positivo, obtendo, por exemplo,
um resultado interessante de caracterização dos personagens através de alguns
elementos – além de ser uma dinâmica proveitosa. A brincadeira com a sombra é também
um momento de destaque do trabalho. Há ainda uma certa insistência em
estabelecer diálogo com o público, mas que acaba sendo um tanto excessiva: mais
tempo no palco e menos na plateia pode trazer resultados mais interessantes.
Percebe-se que a atriz está
bastante imbuída do discurso da obra e disposta fisicamente a contar a história
de Sofia. No entanto, há que se ter em mente que a única e exclusiva dona da
história é ela mesma. Deve vir da atriz as maiores iniciativas do esquete.
Momentos em que há a utilização de vozes em off, por exemplo, diminuem a força
do trabalho e a importância da atriz. Recursos inventivos de contação de
história são bem-vindos, desde que colaborem com a maestria da “dona da
história”, ao invés de competir com ela.
Há ainda uma questão que pode ser
melhor trabalhada no esquete como um todo. Os conceitos mais modernos de
inclusão abordam a diferença não como algo periférico, mas como algo inerente
ao ser humano. Ratificar que existem pessoas iguais ou diferentes, ao meu ver,
colabora com uma ideia de que existem dois mundos, os quais devemos apenas
tolerar ou respeitar, cada um de seu lado. Partindo do princípio que as pessoas
são todas diferentes, contribuímos para uma visão de mundo que não privilegia
as similaridades, pois não existem duas pessoas iguais em nenhum lugar do
planeta e da história. “Sou diferente mas somos todos iguais”, “Sou diferente
mas sou legal” são discursos que o mundo contemporâneo cada vez mais tenta pôr
abaixo, pois quando entendemos que somos todos diferentes, não há porque falar que
essa ou naquela pessoa é diferente.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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PEDRO É EU
Coletivo Bichos de teatro – Niterói/RJ
Um dos esquetes de destaque da
mostra infanto-juvenil, “Pedro é eu” investe na musicalidade e na movimentação
ágil da cena para contar as aventuras de quatro amigos que possuem o mesmo
nome, Pedro.
O início do esquete é bastante
promissor. É no mínimo curioso o fato de haver um grupinho de garotos em que
todos se chamam Pedro. A ideia de evidenciar a consciência dentro de uma
partida de futebol é muito bacana e nos deixa com vontade de ver mais. No
entanto, a medida em que o texto se desenvolve, a ideia é deixada de lado,
sendo apenas um pretexto para uma epopeia e uma série de aventuras dos amigos,
mais ou menos interessantes.
Nesse sentido, o que me chama a atenção
negativamente na cena é a falta de um sentido maior ao texto, uma “questão” a
ser abordada, ou mesmo um conflito forte o suficiente para conduzir
dramaticamente a história. Há um certo enfoque na cultura folclórica, mas
entendo que isso poderia estar melhor relacionado com a apresentação da cena e
dos personagens. Isso faz com que o público perca um pouco a noção de
expectativa que tem no início, deixando o esquete um tanto longo.
A musicalidade e o ritmo ágil da
cena são elemento muito bem explorados – até o título sugere uma certa melodia.
Mas há que se dosar as propostas com a projeção vocal dos atores, para que o
público consiga entender tudo o que é falado. Do jeito que está, infelizmente
acaba-se perdendo muitos diálogos.
Destaque ainda para o elenco,
bastante talentoso, e executando muito bem as orientações e proposta de
trabalho da direção.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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A CATADORA DE SONHOS
Companhia de teatro no Terraça – Rio de Janeiro/RJ
“A catadora de sonhos” traz à cena
dois atores que se utilizam de vários recursos e inventividades para contar uma
história lúdica sobre perseverança a partir de um conto popular.
O trabalho de Eric Meireles e
Amanda Ribeiro são a base do esquete. Ele, com mais possibilidades, pois interpreta
diversos personagens; ela com a difícil e importante tarefa de ser a condutora
da história. Eric mostra bastante desenvoltura na composição dos seus tipos e
Amanda consegue estabelecer uma relação de empatia com o público. No entanto,
ela precisa tomar cuidado com alguns maneirismos vocais. Por exemplo: o excesso
de “drama” em alguns momentos faz com que palavras como “eu” virem “reu” e “um”
vire “rum”.
O texto, mesmo que “com humor e
ternura infantil tem a alegria de nos emocionar” – como diz a sinopse –, carece
de um trabalho dramatúrgico mais rigoroso. A dinâmica da saga da menina acaba
ficando repetitiva e, consequentemente, um pouco cansativa. Falta ainda uma
“questão” maior a ser levantada, para que a cena não fique só com a intenção de
emocionar. Há, mesmo que apenas levemente apontada, uma bem-vinda metáfora na
história, associando a jornada da menina com a morte: o caminho que nós fazemos
quando perdemos alguém que amamos – desprendimento, saudade, memória. Isso
poderia ser melhor investido, mesmo que sejam necessárias maiores mudanças no
texto – que pelo fato de ser um conto popular, pode ser mexido sem puderes.
Creio que o esquete ainda
ganharia mais força se explorasse mais os tempos, se relacionando melhor com as
pausas e os silêncios. Há também que se ficar atento ao registro de
interpretação dos atores – que estão bem – mas em muitos momentos trabalham num
plano único de energia e modulação vocal. A impressão que tenho é que as vozes
estão recorrentemente indo para um registro demasiadamente agudo. A
consequência negativa disso é que a caracterização dos personagens pode ficar
maior que eles mesmos.
Trata-se de uma cena bonita, com
boas ideias de direção, e que poderia dispensar ainda alguns elementos
cenográficos para deixar o espectador exercitar ainda mais a imaginação. Luz e
trilha sonora podem ajudar nesse sentido.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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O EDREDOM
Companhia Macacos Alados – Rio de Janeiro/RJ
Um grande jovem ator e um lindo e
relevante texto dentro de uma plataforma extremamente lúdica e eficiente!
Resultado: uma belíssima cena!
Com claras inspirações no
trabalho do ator-criador Julio Adrião a partir do espetáculo “A descoberta das
Américas”, o esquete “O edredom” é de uma deslumbrante eficácia porque consegue
juntar as ótimas ideias do artista, um trabalho artesanal impecável e uma
técnica de interpretação de grande potência.
Todos os momentos do esquete
parecem muito bem pensados. Os ritmos estão bem trabalhados e vemos tantos os
silêncios quanto as explosões da cena – mérito, claro, também da direção. A
ideia inicial de vestir o personagem nos convida a embarcar numa proposta
ritualística junto com o ator. As interferências sonoras e a luz bem explorada
tornam a cena bastante prazerosa.
O texto – uma linda fábula criada
pelo intérprete – utiliza-se de ludicidade e delicadeza para falar de um
assunto bastante relevante: a
sexualidade e o processo de formação do indivíduo. Mas sem cair em pieguices ou
lirismo demasiado. Trata-se de uma história muito bem contada, que mistura
momentos divertidos e dramáticos. Só fico pensando se “O edredom” é o melhor
título para a história.
Um ótimo trabalho! Todos os
méritos para esse grande e promissor artista Tauã e sua equipe de criação.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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A IARA
Theatrum Mundi – Rio de Janeiro/RJ
Um esquete que se destaca pela
bela utilização dos recursos visuais: luz, figurinos, elementos cenográficos, desenho
de cena e muitos atores/atrizes no palco. A sonoridade também é ponto positivo
– tirando uma ou outra música não tão adequadas – pois se integra
harmoniosamente com a proposta de direção e com a visualidade, além de
“agigantar” o trabalho do elenco, criando figuras ainda mais interessantes. Todos
esses elementos dão unidade ao esquete, aproximando o espectador do universo da
fábula proposta, além de proporcionar um deleite estético dos mais saborosos.
Uma história muito bem contada e cantada.
O elenco está muito integrado à
cena e apresenta bastante disponibilidade e engajamento ao trabalho, realizando
com eficiência as marcas propostas pela direção, evidenciando também uma
unidade em relação à qualidade da interpretação. Além disso, a entrega e a
falta de puderes na composição dos personagens só acentua o envolvimento de
todos, dando enorme credibilidade à pesquisa do grupo.
No entanto, gostaria que a
dramaturgia propusesse uma “questão” maior, um conflito dramático mais
poderoso, para que forma e conteúdo estejam no mesmo nível. O esquete não é
desprovido de valor – longe disso – mas se ele transcendesse a simples contação
de história de uma fábula folclórica, relacionando o tema de outras maneiras com
nossa sociedade, com certeza ganharia muito mais potência.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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