29 de novembro de 2014

CRÍTICAS MOSTRA INFANTO JUVENIL - DIA 8 (por Diego Molina)

OS DESENHOS DE SOFIA
Interferência teatral – Rio Bonito/RJ

“Os desenhos de Sofia” é um monólogo interpretado por Renata Egger, com texto e direção de Rafael Cal, que fala da conturbada vida de uma garota que sofre bullying na escola por ser considerada “diferente”.
O esquete se destaca pela proposta de discutir, junto com ao público infanto-juvenil, temas como sexualidade e discriminação. Trata-se de uma iniciativa ousada e digna de mérito, mas que poderia ter um resultado dramatúrgico melhor, para que as ideias tenham mais potência. A plataforma utilizada é a do teatro-narrativo. No entanto, o recurso precisa ser trabalhado de forma que não “roube” os momentos dramáticos do texto. Por exemplo, a cena é apresentada através de uma espécie de prólogo, onde toda a história do esquete é contada, diminuindo em muito a força e o interesse do que vem a seguir. É necessário também maiores ações dramáticas (reações provocadas por ações) e carpintaria dramatúrgica para que a história seja contada através de um desenvolvimento mais interessante. Também algumas informações podem ser melhor colocadas para que o espectador entenda com mais clareza as transições de cena: o onde e o quando de muitos momentos ficam confusos.
Senti muita falta, lendo a sinopse, de mais tempo de brincadeira entre a personagem principal e seus desenhos. O grande “barato” da cena, entretanto, acontece apenas no final! O que é um caminho não muito interessante, ao meu ver. Além de frustrar as expectativas de quem tem acesso à sinopse, isso faz com que uma grande ideia seja muito pouco explorada. Porque não colocar essa interação entre Sofia e os desenhos no meio da cena, por exemplo? E ver o que pode surgir daí?
A direção e a interpretação também precisam ser melhor trabalhadas em termos de ritmo. Em muitas vezes a cena fica arrastada e há um hiato bastante indesejado entre falas e ações. Por outro lado, a visualidade do esquete é um ponto positivo, obtendo, por exemplo, um resultado interessante de caracterização dos personagens através de alguns elementos – além de ser uma dinâmica proveitosa. A brincadeira com a sombra é também um momento de destaque do trabalho. Há ainda uma certa insistência em estabelecer diálogo com o público, mas que acaba sendo um tanto excessiva: mais tempo no palco e menos na plateia pode trazer resultados mais interessantes.
Percebe-se que a atriz está bastante imbuída do discurso da obra e disposta fisicamente a contar a história de Sofia. No entanto, há que se ter em mente que a única e exclusiva dona da história é ela mesma. Deve vir da atriz as maiores iniciativas do esquete. Momentos em que há a utilização de vozes em off, por exemplo, diminuem a força do trabalho e a importância da atriz. Recursos inventivos de contação de história são bem-vindos, desde que colaborem com a maestria da “dona da história”, ao invés de competir com ela.
Há ainda uma questão que pode ser melhor trabalhada no esquete como um todo. Os conceitos mais modernos de inclusão abordam a diferença não como algo periférico, mas como algo inerente ao ser humano. Ratificar que existem pessoas iguais ou diferentes, ao meu ver, colabora com uma ideia de que existem dois mundos, os quais devemos apenas tolerar ou respeitar, cada um de seu lado. Partindo do princípio que as pessoas são todas diferentes, contribuímos para uma visão de mundo que não privilegia as similaridades, pois não existem duas pessoas iguais em nenhum lugar do planeta e da história. “Sou diferente mas somos todos iguais”, “Sou diferente mas sou legal” são discursos que o mundo contemporâneo cada vez mais tenta pôr abaixo, pois quando entendemos que somos todos diferentes, não há porque falar que essa ou naquela pessoa é diferente.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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PEDRO É EU
Coletivo Bichos de teatro – Niterói/RJ

Um dos esquetes de destaque da mostra infanto-juvenil, “Pedro é eu” investe na musicalidade e na movimentação ágil da cena para contar as aventuras de quatro amigos que possuem o mesmo nome, Pedro.
O início do esquete é bastante promissor. É no mínimo curioso o fato de haver um grupinho de garotos em que todos se chamam Pedro. A ideia de evidenciar a consciência dentro de uma partida de futebol é muito bacana e nos deixa com vontade de ver mais. No entanto, a medida em que o texto se desenvolve, a ideia é deixada de lado, sendo apenas um pretexto para uma epopeia e uma série de aventuras dos amigos, mais ou menos interessantes.
Nesse sentido, o que me chama a atenção negativamente na cena é a falta de um sentido maior ao texto, uma “questão” a ser abordada, ou mesmo um conflito forte o suficiente para conduzir dramaticamente a história. Há um certo enfoque na cultura folclórica, mas entendo que isso poderia estar melhor relacionado com a apresentação da cena e dos personagens. Isso faz com que o público perca um pouco a noção de expectativa que tem no início, deixando o esquete um tanto longo.
A musicalidade e o ritmo ágil da cena são elemento muito bem explorados – até o título sugere uma certa melodia. Mas há que se dosar as propostas com a projeção vocal dos atores, para que o público consiga entender tudo o que é falado. Do jeito que está, infelizmente acaba-se perdendo muitos diálogos.
Destaque ainda para o elenco, bastante talentoso, e executando muito bem as orientações e proposta de trabalho da direção.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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A CATADORA DE SONHOS
Companhia de teatro no Terraça – Rio de Janeiro/RJ

“A catadora de sonhos” traz à cena dois atores que se utilizam de vários recursos e inventividades para contar uma história lúdica sobre perseverança a partir de um conto popular.
O trabalho de Eric Meireles e Amanda Ribeiro são a base do esquete. Ele, com mais possibilidades, pois interpreta diversos personagens; ela com a difícil e importante tarefa de ser a condutora da história. Eric mostra bastante desenvoltura na composição dos seus tipos e Amanda consegue estabelecer uma relação de empatia com o público. No entanto, ela precisa tomar cuidado com alguns maneirismos vocais. Por exemplo: o excesso de “drama” em alguns momentos faz com que palavras como “eu” virem “reu” e “um” vire “rum”.
O texto, mesmo que “com humor e ternura infantil tem a alegria de nos emocionar” – como diz a sinopse –, carece de um trabalho dramatúrgico mais rigoroso. A dinâmica da saga da menina acaba ficando repetitiva e, consequentemente, um pouco cansativa. Falta ainda uma “questão” maior a ser levantada, para que a cena não fique só com a intenção de emocionar. Há, mesmo que apenas levemente apontada, uma bem-vinda metáfora na história, associando a jornada da menina com a morte: o caminho que nós fazemos quando perdemos alguém que amamos – desprendimento, saudade, memória. Isso poderia ser melhor investido, mesmo que sejam necessárias maiores mudanças no texto – que pelo fato de ser um conto popular, pode ser mexido sem puderes.
Creio que o esquete ainda ganharia mais força se explorasse mais os tempos, se relacionando melhor com as pausas e os silêncios. Há também que se ficar atento ao registro de interpretação dos atores – que estão bem – mas em muitos momentos trabalham num plano único de energia e modulação vocal. A impressão que tenho é que as vozes estão recorrentemente indo para um registro demasiadamente agudo. A consequência negativa disso é que a caracterização dos personagens pode ficar maior que eles mesmos.
Trata-se de uma cena bonita, com boas ideias de direção, e que poderia dispensar ainda alguns elementos cenográficos para deixar o espectador exercitar ainda mais a imaginação. Luz e trilha sonora podem ajudar nesse sentido.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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O EDREDOM
Companhia Macacos Alados – Rio de Janeiro/RJ

Um grande jovem ator e um lindo e relevante texto dentro de uma plataforma extremamente lúdica e eficiente! Resultado: uma belíssima cena!
Com claras inspirações no trabalho do ator-criador Julio Adrião a partir do espetáculo “A descoberta das Américas”, o esquete “O edredom” é de uma deslumbrante eficácia porque consegue juntar as ótimas ideias do artista, um trabalho artesanal impecável e uma técnica de interpretação de grande potência.
Todos os momentos do esquete parecem muito bem pensados. Os ritmos estão bem trabalhados e vemos tantos os silêncios quanto as explosões da cena – mérito, claro, também da direção. A ideia inicial de vestir o personagem nos convida a embarcar numa proposta ritualística junto com o ator. As interferências sonoras e a luz bem explorada tornam a cena bastante prazerosa.
O texto – uma linda fábula criada pelo intérprete – utiliza-se de ludicidade e delicadeza para falar de um assunto bastante relevante:  a sexualidade e o processo de formação do indivíduo. Mas sem cair em pieguices ou lirismo demasiado. Trata-se de uma história muito bem contada, que mistura momentos divertidos e dramáticos. Só fico pensando se “O edredom” é o melhor título para a história.
Um ótimo trabalho! Todos os méritos para esse grande e promissor artista Tauã e sua equipe de criação.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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A IARA
Theatrum Mundi – Rio de Janeiro/RJ

Um esquete que se destaca pela bela utilização dos recursos visuais: luz, figurinos, elementos cenográficos, desenho de cena e muitos atores/atrizes no palco. A sonoridade também é ponto positivo – tirando uma ou outra música não tão adequadas – pois se integra harmoniosamente com a proposta de direção e com a visualidade, além de “agigantar” o trabalho do elenco, criando figuras ainda mais interessantes. Todos esses elementos dão unidade ao esquete, aproximando o espectador do universo da fábula proposta, além de proporcionar um deleite estético dos mais saborosos. Uma história muito bem contada e cantada.
O elenco está muito integrado à cena e apresenta bastante disponibilidade e engajamento ao trabalho, realizando com eficiência as marcas propostas pela direção, evidenciando também uma unidade em relação à qualidade da interpretação. Além disso, a entrega e a falta de puderes na composição dos personagens só acentua o envolvimento de todos, dando enorme credibilidade à pesquisa do grupo.
No entanto, gostaria que a dramaturgia propusesse uma “questão” maior, um conflito dramático mais poderoso, para que forma e conteúdo estejam no mesmo nível. O esquete não é desprovido de valor – longe disso – mas se ele transcendesse a simples contação de história de uma fábula folclórica, relacionando o tema de outras maneiras com nossa sociedade, com certeza ganharia muito mais potência.
Diego Molina (panodefundo@gmail.com)
Rio de Janeiro, novembro de 2014. 7º Festival Niterói em Cena.
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